sábado, 31 de dezembro de 2011

Beira mar

Estava aqui sentado na minha mesa, terminando de assinar uns documentos para liberar os serviços do final de semana vindouro e deixei a cabeça vagar solta pelos pensamentos e lembranças. Tem uma imagem que nunca sai da minha memória, talhada com requintes de prazer nos idos do ano de 80, quando talvez você ainda estivesse só nos planos dos seus pais, provavelmente, ou então em início de gestação.

Aqui no litoral paulista, saindo de Santos e indo em sentido ao Sul, passamos por Praia Grande, Mongaguá, Itanhaem e, finalmente, Peruíbe.

A Peruíbe de hoje é muito distinta daquela de 31 anos atrás, mas ao que parece aquele pedaço onde tudo se deu ainda está lá, intacto, assim como a minha memória. Eu sempre tive um caso de amor eterno com o mar, um fascínio sem fronteiras e sem maiores explicações. Uns adoram o Sol, outros as estrelas, tem a turma que te adora (rsss), os da montanha, da neve, das cachoeiras, das florestas e assim por diante.

O meu negócio é o mar e se você me deixar sentado, parado, olhando para ele o dia inteiro, eu fico ali, sem problema, ouvindo seus sons e vendo seu movimento, onda após onda, quebrando e beijando a areia. Puro fascínio!

Naquele ano, numa tarde nublada (adoro nublados), sentei-me no murinho de pedras que fora construído no início do trecho de areia, fazendo a divisa e segurando o desnível do terreno, coisa máxima de meio metro, o suficiente para transformar aquele muro num enorme banco de pedras. Ao meu lado, a dona da casa onde eu estava hospedado, ela irmã do meu colega de escola, creio que dois anos mais nova que eu.

Ficamos ali, tarde adentro, jogando conversa fora, falando do que viesse à mente, um dos meus passatempos preferidos quando tem alguém com quem sintonizo e que esteja logo ali ao lado. Eu já usava óculos àquela época, com meus bons 5 graus de miopia, quando o assunto resvalou exatamente para esse tema, a necessidade de usar os óculos.

Segundo a Cris, minha amiga, deveria ser um porre ficar dependendo a vida inteira do uso do óculos para se enxergar direito. Num clique, virei para ela e perguntei:

- Como você descreveria o que vê a nossa frente?

Ela estranhou a pergunta, mas lhe pedi para responder. Ouvi a descrição exata do que havia a nossa frente, a areia, o mar, as nuvens, morros e mais algumas coisas, entre pessoas que passavam na praia e objetos por ali espalhados. Após ouvir, me dirigi novamente a ela:

- Isso eu também vejo. Mas quer saber o que eu vejo e você não vê?

Ela ficou curiosa, deu um sorriso (a Cris sempre sorri, até hoje) e respondeu que queria.

Tirei os óculos, esperei uns poucos segundos e comecei contar para ela tudo o que ela via, porém com a deformação que a miopia trazia aos meus olhos. Não lembro ao certo por quanto tempo fiquei descrevendo, nos mínimos detalhes, cada detalhe que minha visão captava. Apontava numa direção, para que ela visse sobre o que eu falava, e começava a desenhar em letras e palavras o que meus olhos viam, formas, cores, tudo o que ela jamais imaginou existir bem ali, diante dos olhos dela. Todas as coisas que eu descrevi estavam ali, mas eram vistas por uma outra ótica, coisa que infelizmente ela jamais teria condição de enxergar. Procurei passar tudo com a máxima riqueza possível, como se traduzisse uma imagem a quem não pode ver. A imagem do encanto no rosto dela é algo que tenho guardado comigo até hoje.

Muitos anos depois, com uma longa ausência no nosso conviver, nos encontramos por acaso em uma esquina de Campos do Jordão, cidade serrana muito conhecida e visitada por paulistanos. Aproveitamos para matar as saudades, rever as famílias, filhos que cresceram, passamos um bom tempo ali juntos, como naqueles indescritíveis anos da adolescência.

Num certo momento, reunidos em roda no sofá do apartamento dela (para onde fomos intimados a comparecer ... rsss), ela virou e perguntou:

- Você lembra daquela tarde em Peruíbe? Eu nunca mais esqueci daquele dia e me lembro de suas palavras como se fosse hoje!

Certas lembranças não se apagam jamais, principalmente as vividas entre amigos. E certas coisas que acontecem em nossas vidas nos levam a aprender que nem tudo que se vê deve ser exatamente como se enxerga, pois existem outros olhos que podem descrevê-las de forma distinta. Me agrada pensar que sempre pode haver uma "segunda via" ...

Todo dia, ou quase todo, abro meus email e vejo Dog Love, Tatá, Jeff e outros mais falando de como é bom ter amigos e como é bom ter um grupo de amigos como esse. A minha Cristiane é amiga até hoje, embora pouco nos vejamos. Os meus amigos daqui são recentes, mas sempre tenho a sensação de que os conheço pelo mesmo tempo em que conheço minha amiga Cris.

Amigos e aprendizados com as estórias das nossas vidas. Gosto disso, muito mesmo.